Games: Dificuldade X Frustração

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Pode parecer estranho, mas o texto que você vai ler agora foi escrito de forma completamente independente da penúltima edição dessa coluna. Resolvi adiantar a publicação dele só para fazer um link de assuntos entre dois números seguidos. Ou melhor, era para ser dois seguidos, mas um acabou entrando de bicão no meio. Divirta-se.

Outro dia, conversando com um amigo, reclamei que alguma característica de algum jogo era frustrante. Ele respondeu que era frustrante porque eu não era bom o suficiente para passar. Isso, somado a alguns comentários feitos por aqui, me fizeram perceber uma coisa: para os brasileiros, é complicado perceber a diferença entre difícil e frustrante.

Ok, algo muito difícil eventualmente se torna frustrante, mas certas coisas já são frustrantes desde o início e denotam apenas um mal planejamento dos desenvolvedores. Isso é um defeito comumente apontado em resenhas estadunidenses de jogos, pois é comum a diferenciação entre cheap e difficult. Assim, tive a idéia de escrever este texto diferenciando os dois através de exemplos para ajudar os delfonautas confusos a entenderem as nossas reclamações nas resenhas.

Na verdade, são duas coisas completamente diferentes. Um jogo difícil é desafiador. Ele exige o aprimoramento das suas habilidades para garantir a sua sobrevivência. Mas faz isso de forma honesta.

Já um jogo frustrante também pode ser chamado de apelão. É um game cuja dificuldade não acontece por causa de uma AI bem programada ou desafios bem colocados, mas aparentemente por puro erro de programação. E normalmente não tem nada a ver com a dificuldade em si. Essa apelação pode vir da própria máquina ou de outros jogadores. Vamos a alguns exemplos?

Nas fases de corrida do GTA IV, era comum para mim ficar em primeiro durante todas as voltas, inclusive deixando alguns caboclos como retardatários. Isso mostra que, para minhas habilidades, as corridas desse jogo eram bem fáceis. Porém, era igualmente comum que, na última volta, meu carro encostasse em um muro ou em um copo de papel jogado na rua, saísse voando, capotasse e caísse de ponta-cabeça. Eu saio do carro para não morrer na explosão e não tem nenhum outro ao redor para que eu possa assumir a direção e continuar. Isso é frustrante. O jogo não ganhou de mim pelo desafio da corrida, a corrida estava no papo. Foi um erro de física e de programação (afinal, nenhum carro sai voando por encostar num copo de papel jogado na rua) que dava vontade de quebrar o controle. Não é à toa que praticamente todo jogo de corrida tem um botão para resetar o carro. Para evitar que você perca a corrida por “força maior”.

Outro exemplo já conhecido das nossas resenhas acontece no God of War I e II (e provavelmente no III também vai acontecer). No primeiro, você tem que empurrar uma caixa ladeira acima (o que te deixa indefeso) enquanto inimigos infinitos fazem miséria com o pobre Kratos. Se eles acertarem, você larga a caixa e ela começa a escorregar. Tem algumas coisinhas na ladeira que impedem que a caixa volte até o início, mas como você não pode matar os inimigos (se matar, ganha apenas uns dois segundos de sossego), vai puramente de sorte. Não depende da sua habilidade, nem da sua estratégia. Afinal de contas, empurrar a caixa perpendicularmente ao trocinho que a segura não exige lá muito planejamento. No final das contas, depende mais da AI do jogo deixar você passar do que de qualquer outra coisa.

No segundo game, ficou ainda pior. Você tem que empurrar a caixa e os inimigos são infinitos, mas ao invés de uma ladeira, tem uma armadilha que fica soltando fogo, o que empurra a caixa de volta. Para se proteger do fogo, seu personagem tem que estar atrás da caixa. Obviamente, é comum os manos te baterem, fazendo você perder energia no fogo e ainda fazendo a caixa voltar. Tanto essa parte como o exemplo anterior, podem ser passados de forma absurdamente fácil como podem encalhar o mais experiente dos jogadores durante mais de uma hora. E isso só depende da sua sorte. Essas duas possibilidades já aconteceram comigo e a única semelhança entre elas foi a total ausência de diversão. É algo completamente aleatório, não é como se fosse um chefe desafiador.

E já que falamos de chefes desafiadores, imagine a situação. Você encontra um chefe difícil e divertido. Como já se espera, na primeira tentativa, você morre. Normal, você clica em tentar de novo. Mas ao invés de te colocar na frente do malaco, o jogo transporta você para um cenário pelo qual você passou há mais de dez minutos. Depois de o chefe fazer miséria com você três vezes, não há gato que consiga escapar do controle teleguiado pela raiva. Mas você não está bravo com a dificuldade do chefe, está bravo com o fato de que, para ter uma nova chance de vencer o desgraçado, tem que jogar de novo dez minutos pelos quais já provou repetidas vezes que tem capacidade de passar. E ficar repetindo as coisas é chato. Já pensou se você repete o último ano do ensino médio e tem que fazer desde o primeiro de novo?

O exemplo acima mistura o desafio positivo (o chefe difícil) com frustração simples (o checkpoint mal colocado). Existe um jogo que mistura esses dois pontos como nenhum outro: Ninja Gaiden II, do popular Xbox 3RL. Ele é difícil simplesmente por ser difícil. E tem que ser! Todo Ninja Gaiden, desde o Nintendinho, é famoso pelo desafio assustador. Porém, tem vários momentos neles que são simplesmente frustrantes. Ou você acha legal ficar levando um monte de flechas explosivas vindas de fora da tela que te imobilizam e impedem a procura e consequente extermínio dos inimigos que as estão disparando? Sem falar daquele momento que já se tornou lendário (a única resenha do mundo que não reclamou dele é justamente a delfiana), o famoso chefe que, quando derrotado, explode e leva toda a sua energia junto sem qualquer aviso, a não ser que você aperte o botão de defesa. Diz aí, depois de uma batalha com um chefe extremamente difícil, a coisa que qualquer jogador mais quer como recompensa é ser morto por uma armadilha surpresa e ter a chance de começar tudo de novo, certo? Errado!

E já que falamos do Nintendinho, falemos de alguns jogos old-school. Lembra de Battletoads, tido por muitas pessoas como o jogo mais difícil da história? Ora, ele não poderia ser tão difícil sem ser também frustrante, não é mesmo? E qualquer um que já jogou a fase do jet-ski em duas pessoas com certeza ficou com vontade de mirar o controle no amigo ao invés do gato. Afinal de contas, quando um morre, os dois voltam para o início. Por que a pessoa que ainda está viva não pode continuar e a morta volta no próximo checkpoint ou quando o outro morrer? Ninguém sabe!

Finalmente, chegamos na apelação humana: o tremendaço Street Fighter II tem várias apelações possíveis e você provavelmente já sofreu ou causou algumas delas. Por exemplo, na versão do Mega Drive (e acredito que nas outras também), existia uma apelação quase indefensável. Se você jogava com o Ken ou Ryu, podia prender seu desafeto no canto e ficar dando voadoras. Se ele defendesse, era só arremessar. Se ele levasse a voadora, era só dar rasteira.

Se o timing do carrasco fosse perfeito, a única forma de sair garantidamente disso seria levar a voadora como macho e em seguida arremessar o caboclo antes de ele ter chance de dar a rasteira. Mas quantas pessoas, tirando os jogadores mais hardcore, saberiam disso? Pouquíssimas. Perceba, o cara não ganhou por ter habilidades ou reflexos superiores aos seus. Ele ganhou com um truquinho, praticamente um cheat code que qualquer um poderia fazer, independente de ter qualquer habilidade ou experiência no jogo. E isso é frustrante, não acha? Essa e várias outras apelações do jogo foram diminuídas na versão nova, o Super Street Fighter II Turbo HD Remix, o que deixou os combates bem mais justos. Ainda assim, eu consegui ganhar várias lutas online simplesmente fazendo isso (não, não me orgulho dessa minha covardia), pois não é fácil escapar.

Um jogo mais recente cheio de apelação humana é Call of Duty 4. É impossível sobreviver nesse jogo, pois sempre tem uns maninhos que ficam parados em um canto próximo ao “local de ressurreição” e, logo que você aparece lá, antes mesmo de se localizar, já toma um tiro fatal. Foi por isso que eu parei de jogar COD IV online. Spawn camping não é true, não é habilidade, é frustrante e acaba com a diversão de todo mundo, inclusive dos carrascos. Afinal, eu não sou a única pessoa que desistiu de jogar por causa disso e, se todo mundo parar, quem eles vão matar? Uma vez que os desenvolvedores perceberam que isso estava acontecendo, deveriam ter feito uma atualização que impedisse que o personagem ficasse parado por mais de um minuto, como rolava naqueles fliperamas antigos, tipo Teenage Mutant Ninja Turtles e Simpsons. Ou qualquer outra coisa que impedisse isso. É obrigação deles manter o jogo divertido, cacilda!

O último exemplo que quero dar é uma birra pessoal minha. Depois do Super Street Fighter II Turbo, os jogos de luta mudaram um bocado. A habilidade deu lugar à decoreba quando vieram os 666 hit-combos. Eu tinha um amigo que era uns dois anos mais novo (o que, quando se tem 16 primaveras, faz uma boa diferença). Assim, ele já começou jogando X-Men vs Street Fighter e afins, não o Street Fighter II, que me ensinou a lutar com botões.

Jogar contra ele era completamente impossível, pelo simples fato de que eu não tenho capacidade nem vontade de decorar uma combinação com 666 apertadas de botão. Assim, eu podia fazer miséria com ele a luta inteira, mas se ele me acertasse um único golpe, bau-bau. As lutas dele com seus miguxos like-minded eram ridículas, pois se resumiam a quem acertasse o primeiro golpe. Daí o cara emendava 665 outros golpes indefensáveis que nocauteavam a vítima. Isso não é habilidade, é decoreba! É como decorar as fórmulas de física para o vestibular sem entender nada do que está fazendo. Não consigo nem entender qual é a diversão de jogar assim. Para mim, combo de macho é voadora/rasteira e mais nada! É assim que os pros lutam! =P

Aí estão vários exemplos de gameplay frustrante. Espero que isso ajude o delfonauta confuso a perceber a diferença entre um jogo difícil de forma positiva e um outro que prefere apelar para a frustração ao invés de uma dificuldade divertida e bem planejada. Consegue pensar em mais exemplos? O espaço para comentários é todo seu. Acha que eu sou um mariquinha que deveria ficar jogando Wii ou coisas de criança? Comente também, mas depois de me xingar, leia isso aqui e me xingue mais um pouco ali.

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