Terra dos Mortos

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George Romero lançou seu último filme de zumbis, Dia dos Mortos, há 20 anos. Desde então, andava meio sumido, fazendo filmes de pouca expressão. É com grande alegria que digo que ele está de volta à boa forma. Terra dos Mortos é um filmaço, e não só para os apreciadores dos filmes de terror, como também para aqueles que gostam de críticas sociais. Quem for ao cinema conferir a obra, vai ganhar o pacote completo: um excelente filme de zumbis com muito gore e muitos paralelos com a atual situação do mundo.

Mas antes de falar dessas alegorias, convém contar um pouco da história. Os zumbis ultrapassaram em muito o número de humanos. Os poucos homo sapiens sapiens que restaram estão vivendo em uma cidade protegida por um rio, cercas eletrificadas e uma milícia. Kaufman (Dennis Hopper), o responsável pela organização da tal cidade, mora num arranha-céu gigantesco junto com outros sujeitos que podem pagar. Os pobres se viram como podem. Há ainda uma equipe especializada em buscar suprimentos nas cidades vizinhas, tomadas pelos zumbis, que não ficam nem um pouco felizes com as intromissões dos humanos. Logo, os mortos-vivos passam por um processo evolutivo e reaprendem a pensar. E decidem fazer uma pequena revolução rumando em direção ao último foco de resistência dos vivos.

Não sabemos se existem outras cidades humanas nem se o mundo todo se encontra nessa situação (a história se passa em Pittsburg, EUA), o que contribui para o clima claustrofóbico.

Outro fato interessante é que fica difícil de saber quem é pior, os zumbis ou os próprios humanos. Enquanto os mortos-vivos estão apenas seguindo seus instintos por alimento (miolos… miolos… – Tudo bem que aqui eles comem qualquer parte da anatomia humana, mas quando é que ia ter outra chance de escrever “miolos… miolos…”?) não há como explicar porque os humanos, mesmo em número reduzidíssimo, continuam a se segregar quando precisam de toda a união possível para enfrentar tal situação adversa.

A cidade está organizada como um típico feudo medieval: uma cidade cercada, com um castelo no centro (o edifício Fiddler´s Green, uma enorme torre de aço e vidro) de onde o senhor feudal (Kaufman) controla os servos que vivem em volta, na miséria. Só que aqui, a economia ainda é capitalista, na base do papel moeda.

George Romero é extremamente pessimista quanto à índole humana. Quando Cholo (John Leguizamo, o cara que fez o Violador no filme de Spawn), um membro da equipe de coleta de suprimentos que faz alguns servicinhos sujos para o chefe da cidade, finalmente junta o dinheiro necessário para comprar uma moradia na luxuosa torre, o seu direito lhe é negado por Kaufman, que não quer um tipinho como ele (latino) junto à classe alta. Furioso, Cholo e seus amigos roubam um caminhão cheio de armamentos pesados e dão um ultimato ao chefão: ou ele lhe paga o dinheiro que conquistou por direito, ou o edifício vai pelos ares, não importando as vidas dos inocentes que vivem lá. Kaufman incorpora a política estadunidense e diz que não negocia com terroristas. Não há como não fazer uma associação com o 11 de setembro.

E mais, para que serve o dinheiro num mundo dominado por zumbis? Romero faz uma crítica pesada e clara ao capitalismo. Aqui, este sistema econômico, assim como os mortos-vivos, se recusam a morrer, não importando o quão estragados estejam.

Note também que o zumbi líder era um mero frentista de posto de gasolina, simbolizando a revolução da classe operária. E lá pelo final do filme, preste atenção num humano de terno e em sua fala. Não posso falar mais para não estragar alguma surpresa, mas basta dizer que ele representa o medo da classe privilegiada de uma mudança no estado das coisas. Mais literal impossível.

Enquanto isso, os zumbis recuperam a capacidade de raciocinar. Se eles não são rápidos como as criaturas de Extermínio e Madrugada dos Mortos (este último, uma refilmagem do segundo capítulo da trilogia dos mortos de Romero, agora promovida a quadrilogia) arrastando-se lentamente, eles aprendem a usar armas (oh, yeah!) tornando-se ainda mais perigosos.

Bem, deixando as metáforas político-sociais de lado, vamos falar de tripas. Como não podia deixar de ser num filme do gênero, elas estão lá e em profusão. Bem como ossos, membros arrancados, decapitações, muitos tiros na cabeça (os zumbis só morrem com golpes ou tiros no cérebro) e claro, os zumbis se alimentando dos humanos (o que me lembrou Doom 3). No quesito sanguinolência, o filme está muito bem servido, assim como no departamento de maquiagem. Também pudera. Este é o filme de maior orçamento já realizado por George Romero, portanto, em termos técnicos está tudo perfeito, da fotografia aos efeitos especiais.

Os sustos também estão garantidos, embora ainda haja algumas situações clichês do gênero, como gente dando passos para trás e abrindo portas que deviam ficar fechadas. Quando é que eles vão aprender? Santa ignorância, Batman (aproveite para ler a resenha de Batman Begins e o especial Tremendões do Batman).

Vale destacar ainda a presença de Asia Argento no elenco. Ela foi o par de Vin Diesel em xXx e é filha de Dario Argento, renomado diretor italiano de filmes de horror (aquele que sempre contava com a banda Goblin na trilha sonora, a qual foi coverizada pelo Rhapsody – leia resenha do Dark Secret) que co-produziu a segunda parte da saga dos mortos-vivos de Romero, Dawn of the Dead, de 1978 (o mesmo que ganhou o remake Madrugada dos Mortos). No Brasil, o filme ganhou o título de Zombie – O Despertar dos Mortos.

Já que estamos falando nisso, não deixe de ler a resenha da refilmagem, Madrugada dos Mortos. Aproveite e leia também sobre Resident Evil 2: Apocalipse e sobre a paródia/homenagem Todo Mundo Quase Morto, outro filme de zumbis com críticas aos vivos.

George A. Romero deve estar orgulhoso de sua mais nova criação, pois é com enorme prazer que anuncio que este filme levou o excelentíssimo Selo Delfiano Supremo, concedido somente aos filmes muito tremendões, por ter a mistura exata de entretenimento com conteúdo, coisa rara hoje em dia, quando temos que escolher apenas um dos dois, além de manter o nível de qualidade durante toda a sua duração, Terra dos Mortos leva a maior honraria que este site pode oferecer. Agora só resta esperar para que ele não demore mais 20 anos para lançar outro capítulo da saga.